Testamos o Gol elétrico da FuelTech e o comparamos com o GTi original
A Volkswagen até tenta não ofuscar seu passado com a eletrificação. Enquanto a minivan ID.Buzz recria o visual da velha Kombi “Corujinha”, o conceito ID.GTI, mostrado em setembro no Salão de Munique, garante a sobrevida da sigla esportiva em um futuro elétrico, e vai além ao permitir que seu quadro de instrumentos e a central multimídia imitem o visual do Fusca ou do primeiro Golf GTI. Chega ao ponto de o Spotify ser transformado em um rádio AM ou em uma fita K7. Mas a VW nunca faria o que a empresa FuelTech fez aqui no Brasil.
O Gol FTe, que QUATRO RODAS tem a oportunidade de apresentar em primeira mão, é um Gol GTi elétrico, feito com tecnologia nacional e algumas modernizações inimagináveis 34 anos atrás, quando a versão mais esportiva do Gol estreou a injeção eletrônica entre os nacionais.
Tendo um Gol GTi 1992, restaurado pela By Deni Studio, para comparar, não poderíamos deixar de reeditar a histórica foto do comparativo entre os Gol GTS e GTi, com os carros saltando na capa da edição de fevereiro de 1989, imagem que marcou época.
Se antes havia sido carburador contra injeção, o embate agora é entre o clássico injetado e o elétrico que depende de um sistema de injeção eletrônica para funcionar.
Há pouco mais de um ano conhecemos o Fusca FTe, que conservava o visual clássico e só revelava ser elétrico por meio de adesivos. No caso do Gol FTe, a intenção foi criar um showcar funcional que possa divulgar como sua tecnologia de injeção programável pode ser usada na conversão de carros elétricos.
A FuelTech trabalhou nesse Gol elétrico três anos. Se o visual não está inteiramente original, as modificações são assinadas por ninguém menos que Luiz Alberto Veiga, que por 40 anos foi designer da VW, inclusive nos tempos da última reestilização do Gol “quadrado”. As modificações deixaram o hatch com linhas mais limpas, mas ainda rico em detalhes.
Os faróis full-led dispensam os faróis de neblina e os clássicos faróis de milha montados no centro do para-choque; a grade é mais fechada, mas presa nos pontos de fixação originais e a trama em forma de favos disfarça o para-choque inteiramente fechado. A grelha na parte superior do capô, próxima do para-brisa, foi fechada.
Um friso fluorescente circunda a carroceria, que na lateral exibe rodas aro 17 diamantadas e retrovisores dos VW Fox (Voyage e Parati destinados aos Estados Unidos, no final dos anos 1980), posteriormente usados no Gol 1000, mas com lente azul e ajuste elétrico. Na traseira as mudanças são pontuais, com o logotipo da VW no meio da tampa, pois a tranca foi substituída por uma trava elétrica. Ainda fecharam a saída de escapamento no para-choque e o aerofólio está fixado pelas laterais e não mais por braços no centro.
Essas modernizações aproveitam componentes originais do Gol e exigiram um trabalho típico da área de prototipagem de um fabricante de automóveis, mas executados pelos especialistas da By Deni. Os faróis e as lanternas de led, por exemplo, foram feitos artesanalmente e utilizam as fixações originais do carro, exceto o repetidor de seta nos para-lamas, que usa leds sequenciais, assim como as lanternas traseiras.
A pintura segue o tom Azul Mônaco e se antes havia adesivos em preto fosco nas colunas dianteiras e nas janelas laterais para parecerem maiores e ao redor do vidro traseiro, agora fizeram pintura com a mesma função nivelada ao azul.
A preocupação com os detalhes se repete por dentro, onde o fluorescente reaparece nos cintos, no friso das portas, na costura do volante (sim, o clássico “quatro bolas”) e no bordado dos bancos, os mesmos Recaro com encosto de cabeça vazado, que eram exclusivos do GTi. O quadro de instrumentos ODG tem mostradores digitais, o acendedor de cigarro deu lugar a duas tomadas USB, o rádio é Bluetooth e no lugar dos porta-fitas está a ECU FuelTech FT550, responsável por fazer esse Gol elétrico andar.
Enquanto a bateria de 22 kWh e que pesa cerca de 120 kg ocupa o assoalho do porta-malas, a tomada de recarga Tipo 2 (a mais comum) está escondida por trás da placa traseira. O carregador on-board garante uma potência de recarga de 3,3 kW, o que significa que levará cerca de 7 horas para uma recarga completa em uma tomada de 20 A doméstica.
O resto da parafernália está na dianteira, no lugar do AP 2000. O inversor e o motor são nacionais, da Weg, e estão montados um sobre o outro. O mais legal é que o sistema de arrefecimento líquido deles aproveita o clássico radiador deslocado e o vaso expansor original: o líquido é movimentado por uma bomba elétrica. Também há uma bomba de vácuo elétrica para garantir o funcionamento do servofreio original, atuando nos freios a disco ventilados, na dianteira, e tambores, na traseira.
Com a mudança de um mapa de programação, a FuelFech FT550 deixa de ser uma injeção programável e passa a cuidar do gerenciamento do sistema elétrico por meio de sua própria rede CAN. Faz a gestão da bateria, do inversor, do carregador, do motor (com direito a controle de tração), além de monitorar os parâmetros dos sensores e garantir o funcionamento dos motores elétricos usados no arrefecimento, no freio e no compressor do ar-condicionado. Mas a direção elétrica – que também equipa o GTi branco das fotos – funciona de forma independente.
Muitas configurações podem ser feitas diretamente na tela sensível ao toque, como a força da função creeping, aquele movimento leve que os carros automáticos fazem ao tirar o pé do freio, ou até mesmo a intensidade da frenagem regenerativa e sua progressividade ao aliviar o pé do acelerador. A mesma tela também informa velocidade, rotação do motor, carga e autonomia da bateria.
O motor, ainda montado na longitudinal, pode entregar até 180 cv e 37,6 kgfm, mas por enquanto está entregando o torque total e potência limitada a 145 cv na roda. Funciona como um carro automático, pois o câmbio manual de cinco marchas está travado na terceira, dispensando a alavanca no console.
Com o retrofit feito, o seletor de marcha passou a ser um dos comandos satélites do lado direito do quadro de instrumentos. Para a frente o carro anda para a frente, e para trás o motor elétrico apenas inverte o seu sentido. Não deixa de ser parecido com a localização do comando de marcha dos Volkswagen ID., só não tem o quadro de instrumentos digital.
Se a potência é do Gol GTi 16V (1995), o torque 2 kgfm maior que o de um Golf GTI (2019)nas rodas dianteiras torna tudo mais divertido: acelerando fundo, o FTe destraciona como os muitos Gol que receberam um turbo. Isso também acontece ao pisar fundo quando já está mais rápido, como a 70 km/h. É preciso ter força nos braços para domar a fera.
O nível de ruído, ao contrário do que se poderia imaginar, empatou com o GTi a gasolina. O motor elétrico também gera um barulho bem peculiar e, combinado ao câmbio original, consegue se igualar ao ronco do motor AP. Nas acelerações mais fortes, até quem está do lado de fora escuta. Faz parte do show.
Em nosso teste, o Gol FTe foi de 0 a 100 km/h em 7,5 s diante dos 11 s registrados pelo GTi original. É uma evolução e tanto no desempenho, mas com uma diferença: o elétrico é muito mais desafiador ao volante do que qualquer esportivo moderno. É uma experiência bem diferente em tempos de carros tão mais dóceis.
Na verdade, a experiência de dirigir hoje um VW Gol GTi também traz sensações que nenhum carro novo é capaz de entregar. A resposta tão imediata do acelerador por cabo, a esperada imprecisão dessa injeção eletrônica primitiva e a entrega de torque bem progressiva do motor 2.0 AP são encantadoras.
O câmbio manual já era muito bom e as marchas ficam até bastante próximas, fazendo o possível para favorecer as acelerações.
Eu ainda estava na barriga de minha mãe quando esse carro foi lançado (nasci em maio de 1993 e o GTi é de outubro de 1992) e aprendi a respeitar esse Gol pelo que ele representa, mas agora entendi o motivo de haver uma legião de fãs. E também entendi a ode aos bancos Recaro e notei como a posição de dirigir desse carro era até melhor que a dos VW Gol que vieram posteriormente.
Um Gol GTi restaurado como esse pode superar os R$ 200.000 e o serviço, tão detalhado, leva mais de um ano. É um showcar como o Gol FTe, que não tem preço. Mas não custa lembrar que a conversão do Fusca custou algo ao redor dos R$ 100.000, mas com motor menor e sem controle elétrico do freio, sem ar-condicionado e sem direção elétrica. O legal aqui é saber que é possível.
Veredicto Quatro Rodas
Sabíamos que era possível tornar elétrico um carro clássico. Agora descobrimos que ele não precisa deixar de ser esportivo.
Ficha Técnica
GOL GTI
Motor: diant., longit., 4 cilindros em linha, 1.984 cm³, 82,5 x 92,8 mm, injeção, gasolina, 99 cv (declarado), 120 cv a 5.600 rpm, 18,35 kgfm a 3.200 rpm
Câmbio: manual, 5 marchas, tração dianteira
Dimensões: compr., 384,9 cm; largura, 160,1 cm; altura, 135,5 cm; entre-eixos, 235,8 cm; peso, 974 kg
GOL FTE
Motor: diant., longit., elétrico WEG 130, 145 cv a 3.000 rpm, 37,6 kgfm a 1.300 rpm, VCU FuelTech TF550
Câmbio: forjado, fixado na 3a marcha, tração dianteira
Motor: bateria NMC de 400 V e 22 kWh
Dimensões: comprimento, 384,9 cm; largura, 160,1 cm; altura, 135,5 cm; entre-eixos, 235,8 cm
Teste QUATRO RODAS
GOL GTI | GOL FTE | |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 10,9 s | 7,5 s |
Retomada 40 a 80 km/h | 6,3 s (3a marcha) | 3,1 s (D) |
Ruído a 80 km/h | 74 DB (4a marcha) | 73,8 dB (D) |
Injeção de ânimo
A FuelTech surgiu de um trabalho do segundo semestre da faculdade de Anderson Dick, fundador da empresa, que tentava encontrar um meio de substituir o carburador de um motor por uma injeção eletrônica. Acabou criando um sistema nacional que superava os importados, especialmente no mundo das competições, onde era necessário aumentar a injeção de motores sobrealimentados. Mas as aplicações vão além: uma injeção programável também pode substituir sistemas de injeção mais antigos, com consertos inviáveis.
Em 2003, quando a FuelTech surgiu, a fabricação dos aparelhos era feita em seu próprio quarto. O negócio cresceu, se tornou uma indústria e em 2013 a empresa já tinha uma sede física também nos Estados Unidos, que hoje cuida da distribuição para Canadá, México, Oriente Médio e Austrália. Os equipamentos fabricados no Brasil alcançam o mundo inteiro, especialmente mercados da Europa, África do Sul, Tailândia e do Japão, além de toda a América do Sul.
Desde 2016, a empresa tem uma divisão de eletrificação e, desde 2019, uma parceria com a Weg para criarem soluções de conversão de carros a combustão em elétricos. Hoje, os kits de conversão são vendidos majoritariamente para parceiros que querem fazer demonstrações do sistema. Existe um esforço para reduzir a burocracia para a regularização de carros convertidos junto à Senatran.
A partir deste mês, a FuelTech terá uma nova sede própria e fábrica em Porto Alegre (RS), com área de 7.500 m² (três vezes maior do que a sede antiga) e capacidade de produção cinco vezes maior. A empresa divulga que o investimento foi superior a R$ 10 milhões.